quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ATO XIX

Ao nascer, somos uma folha em branco. Cada um de nossos atos compõe nossa história. Escrevemos a cada momento o roteiro do espetáculo mais fascinante em cartaz: nossas vidas. Somos escritores de nosso roteiro, no grande palco que é o mundo, regidos pelo mais sábio e generoso diretor: Deus. Cada ato é encenado com emoção, na expectativa de aplausos; o roteiro é inteiro escrito na intenção de conquistar a platéia, para que ninguém jamais se esqueça do espetáculo quando a cortina se fechar.




Capítulo 19 – Renascer



Era uma manhã de verão quando uma família comemorou a chegada de uma menina. Era a segunda filha, segunda neta dos avós maternos, sétima neta dos avós paternos, segunda bisneta de seus bisavós maternos. Ela teve a sorte de nascer em uma família grande e unida. Todos ficaram muito felizes naquele dia, ela era esperada com muito amor.

Sempre teve a atenção de todos da sua grande família. Ouvia sempre que era uma criança doce e tranqüila, de alguns ouvia até que ela parecia viver em outro mundo devido à sua ternura, incomum para uma criança daquela idade. Mas não podia ser diferente, só o que ela conhecia era o amor, estava cercada de carinho e cuidado por todos os lados. Afeto era tudo o que ela recebia, portanto era tudo o que ela sabia oferecer.

A menina gostava de brincar em seu universo de fantasias. Sempre teve muita imaginação e bons amigos. Sua criatividade lhe instigava a criar personagens que ganhavam vida no guarda-roupa da mãe, e se apresentava em programas de auditório compostos por seus primos, seus quase irmãos. Junto com sua irmã, a menina já tinha sido princesa, cantora, bailarina, atriz, professora, médica, enfermeira, estilista, cozinheira, mãe de incontáveis bonecas... bastava uma das duas dizer o que queria fazer, e logo estavam se transformando em qualquer coisa. Elas tinham em casa o mundo inteiro, e quando precisavam de um espaço um pouco maior, a casa da avó estava sempre à disposição e sem nenhum limite, exceto quando se tratava das cadeiras do alpendre.

A garota cresceu cercada de tudo que existe de mais precioso na vida. Aprendeu a valorizar seus tesouros. Hoje ela sabe que aquela era a receita da perfeição pois não se lembra de um só momento de tristeza daquele tempo. Haviam alguns momentos em que ela sentia falta de alguma coisa que não sabia explicar o que era, e chorava olhando pro céu, como se tentasse achar respostas. Nem mesmos naqueles momentos ela se sentia triste, era só saudade.

À medida que foi crescendo, a menina começou a perceber que algumas coisas estavam mudando. Começou a ouvir sempre a palavra “problema”, e percebeu que era por causa daquilo que seus pais brigavam. Um dia, antes de dormir, quando seus pais foram lhe dar boa noite, ela perguntou a eles o que era problema. “Problema é uma coisa que você não tem.” – Garantiu sua mãe com um sorriso. Seu pai, que sempre gostou de explicar muito bem todas as coisas continuou:

_ Problema é coisa de gente grande, que vem quando existem responsabilidades. Você vai ter sempre o pai pra te ajudar quando você começar a ter os seus. Quando eu não servir, sua mãe vai estar sempre aqui. – aquietando o coração da menina. Eles a cobriram, deram um beijo de boa noite, e a menina adormeceu feliz por saber que não tinha com o que se preocupar.
Passou por mudanças difíceis.A menina ganhou uma cadelinha preta, a quem se apegou muito, pois era o único ser que não mudava seu comportamento. Todas as manhãs a cadelinha fazia festa para a menina, que adorava brincar com o filhote que perseguia uma tira de pano listado. A menina adorava a alegria da cadelinha, sentia todo o amor que brilhava nos olhinhos do bichinho e aquilo lhe aquecia a alma. As mudanças se tornaram ainda mais difíceis quando ela mudou de cidade. Na cidade nova não havia nenhum parente e ela não estava interessada em fazer amigos, ela já tinhas muitos de onde vinha, ela era feliz com os que tinha. Ela se sentia triste, pela primeira vez experimentava o gosto da solidão e sua cadela era a única com quem ela conversava que não a tentava fazer aceitar toda aquela dor. De certo modo, era a única quem compreendia os sentimentos da menina.

A menina cresceu. 10 anos se passaram, 18 desde o seu nascimento. Neste período, muitas coisas mudaram. Ela aprendeu a conservar seus valores, fez amigos maravilhosos que ela chama de tesouros, viu sua avó perder um de seus bens mais preciosos e entendeu que o limite da dor é algo que vai muito além de sua compreensão, conheceu anjos que a salvam quando ela pensa estar perdida, voltou a inventar histórias com sua irmã, procura seus pais quando surgem os problemas, encontrou duas peças do seu mundo, e ainda cria seus personagens, porém almejando uma platéia um tanto maior. A fase é um pouco complicada, é uma fase de mudanças definitivas. Todos os dias quando acorda e sua cadela vem fazer festa, a menina olha aqueles olhinhos e se pergunta com medo – O que vai mudar dessa vez? O que eu vou ter que reaprender?

É verão, às vésperas de seu 19º aniversário, a mulher que jamais deixará de ser menina é colocada em confronto com um de seus medos. Ver quem ama sofrendo é muito pior do que qualquer dor causada a ela. Afinal, não é porque as coisas estão mudando que elas precisam terminar, deixar de ser o que eram. Elas podem simplesmente se adaptar. Conversando sobre isso com um de seus tesouros, uma frase da amiga lhe chamou a atenção: “Quando eu estava fora, uma amiga de lá me disse que para ela, os 19 anos marcam uma transição. Por isso é uma época importante, que precisa ser aproveitada da melhor maneira possível.”.
No dia de seu aniversário, recebeu muito carinho de seus amigos e família, mas se privou de comemorações. Preferiu fazer um balanço de sua vida até a data em questão. Um de seus grandes amigos lhe disse: _ Não faz essa cara de triste, não vale a pena. Não tem nada que fique sem solução.

A partir daqui, não importa quais serão suas escolhas. Sua fé está intacta, seus amigos jamais a deixarão cair em solidão, por isso “todo caminho é certo, não existem caminhos errados”. Sempre estará cercada de amor por todos os lados, e sempre terá sua família para quando os problemas surgirem. Cada aniversário é um ciclo que se encerra e outro que começa. É sempre uma oportunidade para renascer.


_ Ao nascer, somos uma folha em branco. Sempre haverá alguém cuidando da folha para que ela não se rasgue.

Ana Victória Pimentel Alves Rosa.